12/03/08

Medo e Delírio na Itapemirim

Moralmente ressacado e entregue ao cansaço acumulado, caminhava rumo a Plataforma 27 com o estômago e o humor azedos. Tentando procesar todas informações, das mais orgânicas até as mais binárias, tentando enfileirá-las de forma a não me perder no processo. Estava convencido que a viagem seria uma merda, pelo horário mais que conveniente pra isso, e pela sombra de meu amigo Murphy, sempre presente. Já não bastasse eu odiar essa viagem SP/RIO via terra, e simplesmente ter um cagaço abissal de voar nas famigeradas pontes aéreas. Algum puto podia inventar uma merda de um teletransporte.

Poltrona 22, corredor. Do meu lado um adolescente típico, narigão, orelhão, acne comendo solta e aquela cara de punheteiro característica desse período. O que diferenciava ele de qualquer adolescente era a sua altura. O garoto parecia ter gigantíase, mal cabia na poltrona do ônibus executivo (que aliás, de executivo não tem porra nenhuma, pois se eu fosse executivo não comeria nenhuma daquelas merdas que vem no kit larica). Até aí tudo caminhava apernas para uma viagem desconfortável com o Mr Puberdade ao lado.

Até completar 20 minutos de viagem.

Foi aí que percebi após certo alarde, que não se tratava da porra de um adolescente. Não era um caso isolado. Era a porra de um time de basquete infanto-juvenil que habitava todas as últimas cadeiras, além de uns gatos pingados espalhados por todo o ônibus. Agora reflita:

Intermináveis 6 horas num ônibus meia boca já era de foder. Somando aí cerca de uns 20 aborrecentes gigantes, sendo uns 10 atormentando esse trajeto, era digno de eutanásia. Botei o fone de ouvido com Philadelphia Experiment quase que no máximo, e internamente entoava o mantra: foooooooodaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa-se.

Eu era o equilibrio em pessoa, afinal já tinha sido adolescente, podia entender o que eles estavam passando. Poderia lidar tranquilamente com aquilo.

Mentira.

Eu queria matar um por um. De alguma forma dolorosa. Almaldiçoei até a quinta geração de cada um deles, desejei a todos a maior desinteria que uma cavidade reto-anal pudesse suportar. Eles gritavam coisas sem sentido, e gritavam muito, num ritual estranho que de longe parecia uma conversa ginasial. Pareciam incapazes de completar uma sentença sequer passível de total compreensão. No outro lado do corredor, percebo uma menina com cara de intelectual grunhindo, virando os olhos de ódio. Eles estavam realmente incomodando, e não era só ao rabugento que vos fala.
Menos mal.

Entoe o mantra: foooooooooooodaaaaaaaaaaaaaaaaaa-se.

Não dava. Eles pareciam fora de controle. Já vasculhava minha mochila em busca de algo pontiagudo, e/ou pesado. E depois de uma hora e quarenta de viagem ouvindo as "conversas" mais variadas, percebi que hoje os jovens são bem maiores, e também bem mais babacas. Os garotos de 15 anos na minha época eram muito menos boçais. Ou não? Deve ser o maldito hormônio no frango do chickenitos. Ou essas merdas de animês.

Parada do ônibus. Inevitável comentar com a suposta intelectual, que após 5 minutos de papo me fez parecer um cara bem mais paciente do que eu achava. Ela excomungou cada um dos teenagers, desejou de bala perdida pra cima. Talvez eu fosse um nice guy até. Fumo três cigarros na sequência para acumular nicotina pro resto da jornada, e volto pro meu lugar. Cinco minutos de silêncio. Contados no relógio. Recomeçou a algazarra.

Foi depois disso que começou o processo surto.

O moleque do banco de trás começou a dar chutes de exaltação atrás da minha poltrona, tinha algo semelhante a convulsões rindo e falando sobre peitos das amiguinhas ginasiais. Era o fim. Foi nesse momento que incorporei o Anton Chigur, bad ass supremo de todos os tempos.

- Porra, dá pra parar de chutar minha poltrona?

Foi aí que vi medo no olhar do frangote. E foi então que fui tomado pela autoconfiança, e descobri que os putos só tinham tamanho. Poderia aguentar um deles na porrada em um caso extremo, afinal eu tinha a malícia de um semi balzaquiano que havera sido briguento quando moleque. Mas se viesse mais de um, me matariam fácil.

A gota d'agua foi quando um dos malditos despejou um pacote esfarelado de biscoito no corrredor do ônibus

- Caraleo, vocês passaram do limite! Que porra é essa? - esbravejei como se eu tivesse bem mais q meus miserentos 1.75m. Cresci.

- Tão pensando que essa porra é uma excursão pro Playcenter? Não estão vendo que vocês estão sendo um estorvo, estão incomodando a todos aqui? O que tenho que fazer pra vocês entenderem isso?

Foi então que vi medo no olhar deles enquanto pediam desculpas, se entreolhavam com um misto de cagaço e estranheza. Naquele momento eu me senti um Jack Bauer versão latin lover, e o fato de eu aparentar ter nanismo perto deles não tinha mais peso nenhum. Eles provavelmente acreditaram que eu era maluco, um psicopata. A tatuagem gigante no braço somada ao olhar de fúria extrema tinha mais poderes do que eu imaginava. E eles devem ter pensado que eu era o tipo de cara que colecionava vítimas enterradas no jardim de casa.

– E tem mais: recolham essa merda que vocês fizeram no corredor. Tão pensando que o ônibus é o que? Vai, limpa essa sujeira que fizeram AGORA!

Deus, eu era um monstro. O silêncio tomou conta do ônibus, os outros passageiros me olhavam com um olhar comovido de agradecimento, enquanto os frangotes arrumavam a bagunça. A intelectual razinza fazia mímicas e sussurrava "meu héroi".

Fui tomado por uma ótima sensação de dever cumprido. Agora era só torcer pra que eles não percebessem que eu era só um semi-anão surtado. E não resolvessem se juntar pra me espancar quando o ônibus chegasse à Babilônia.

1 comentário:

Thaise Oliveira disse...

Sensacional! O ápice da rabugentisse! hahahaha
bjux